Estamos no primeiro domingo da Quaresma e sempre neste domingo a liturgia põe na mesa da palavra o episódio das tentações de Jesus. Em Marcos, o relato das tentações de Jesus no deserto ocupa o breve espaço de apenas dois versículos (Mc 1,12-13). Marcos não relata o seu conteúdo, não diz quantas foram as tentações e nem sequer nos diz como Jesus as venceu. Marcos parece preocupar-se em considerar importante apenas a ideia de que Jesus foi posto à prova.
Jesus tinha acabado de viver a poderosa experiência do batismo, em que ouviu a voz do Pai: «Tu és o meu Filho amado» (Mc 1,9-11). O Evangelho de hoje diz-nos que o mesmo Espírito que repousou sobre Ele no batismo «o impele [empurra] para o deserto», onde Jesus aprende pelo menos uma coisa importante sobre a vida. No deserto, Jesus aprende, antes de mais, que não existe apenas a voz do Pai. Ao lado da voz do Pai, como aconteceu no início com Adão e Eva, há outra voz, que fala de outra coisa, que aponta para o outro caminho possível. E são duas vozes muito diferentes: onde o Pai fala de sacrifício, a outra voz fala de autorrealização e autossuficiência; onde o Pai fala de serviço humilde, a outra voz fala de poder e sucesso. Assim, Jesus aprende que, nas circunstâncias da vida, é preciso escolher a quem ouvir, por qual das vozes se quer deixar guiar, que caminho seguir, em quem confiar.
Na continuidade do batismo onde é revelada a identidade divina de Jesus é no deserto que Ele aprende o que significa verdadeiramente ser «filho amado», o que significa ser livre. Ser filho significa necessariamente ser posto à prova. O servo não é posto à prova, não tem de escolher: só tem de obedecer. O filho, pelo contrário, pode e deve escolher: se não escolher o Pai, torna-se servo. E a escolha implica dúvida, perturbação, oração, discernimento. Jesus não é poupado a esta experiência, como todos nós.
Para Marcos, portanto, não se trata tanto de desvendar as três possíveis tentações escondidas nas escolhas da vida. Trata-se, antes, de compreender que a vida é também um teste e uma luta. Não apenas num determinado momento, mas em todos os momentos da existência humana e, assim, as tentações de Marcos não vieram no final dos 40 dias, como em Mateus e Lucas, mas foram uma constante durante todo esse período.
A provação do homem torna-se assim também a provação de Deus, provando que Deus não abandona aqueles que se confiam a Ele de todo o coração. Por isso, Jesus, depois de ter saído do deserto, pode anunciar que, de facto, «cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus; convertei-vos e acreditai».
Pe. Pedro Rodrigues