80 anos da Sociedade de São Paulo
Antes de palavras de júbilo, compartilho convosco um relato, em primeira pessoa, do Pe. Xavier Boano, italiano e o primeiro Paulista a vir a Portugal.
«No mês de outubro de 1942, o P. Alberione mandou-me vir de Catania a Roma, e encarregou-me de abrir uma nova Casa em Portugal. Hoje, porventura, um encargo deste género poderia assumir uma certa solenidade; nessa altura, com aquele homem, ser convidado a partir para esta ou aquela Nação, para este ou aquele Continente, era um acontecimento normal. Era tanta a confiança que tínhamos nas suas ordens e nos seus conselhos, que ficávamos com a sensação de termos o sucesso garantido...
Estávamos em tempo de guerra (a Segunda Guerra Mundial 1939-1945), uma guerra que para nós, italianos, ia de mal a pior. Conseguir passaporte para o estrangeiro, à primeira vista, parecia impossível. Mas ele não teve a menor hesitação, e ordenou-me que começasse a tratar dos papéis... No mês de Junho de 1943 tinha nas minhas mãos o passaporte. Às três da manhã do dia 25 de junho já eu estava na capela da casa de Roma. O P. Alberione ajoelhou-se junto a mim, e ajudou-me à Missa com grande recolhimento, como se fosse uma criança da Primeira Comunhão. Deu-me a sua bênção, entregou-me um santinho da Rainha dos Apóstolos e um pedaço de chocolate para o pequeno almoço: naqueles tempos de grandes privações alimentares, era um presente digno de registo! O P. Alberione pagara-me também o bilhete de avião para Barcelona: custava duas mil liras.
Às seis da manhã tomei um hidroavião para a capital catalã, onde cheguei às 9,30. Apanhei o primeiro comboio disponível para Bilbau, onde desembarquei no dia seguinte, acolhido fraternalmente pelo Superior e Comunidade paulista daquela cidade espanhola. Ali fiquei quatro meses, com o fim de obter o visto para Portugal. Passei depois por Madrid, onde tudo ficou resolvido. Finalmente, no dia 18 de outubro de 1943, chegava a Lisboa.
Fui hospedar-me nos Salesianos, e quinze dias depois o Cardeal Patriarca Dom Manuel Cerejeira, ao qual me apresentara logo que cheguei, deu-me o encargo de capelão de uma comunidade das Irmãs Escravas da SS.ma Eucaristia e da Mãe de Deus. Quando eu lhes confiei que provavelmente iria ficar em Portugal só por alguns dias, elas disseram-me: “Nós vamos conseguir que fique cá para sempre”.
No dia 13 de novembro, depois de uma viagem atribulada, pude ir a Fátima em peregrinação. Muito comovido, rezei a Missa na Capelinha das Aparições, ajudado pelo célebre coxo miraculado de quem se fala nas primeiras aparições de Fátima. Consegui falar com os pais de Francisco e Jacinta, mas especialmente rezei com fé a Nossa Senhora pedindo que, se fosse da vontade de Deus, eu pudesse fundar uma Casa paulista em Portugal.
Ao regressar a Lisboa, tive a grata surpresa de saber que a Interpol, certamente por intermédio das ditas Irmãs e de algumas pessoas influentes (entre elas Dona Helena Varela Cid, viúva de um ex-embaixador espanhol, e que era tida em grande consideração pelas autoridades civis e eclesiásticas e grande benfeitora do seu mosteiro), me tinha concedido licença de residência por tempo indeterminado. Tinha somente de mandar visar o passaporte todos os meses e pagar dez escudos. Foi uma graça verdadeiramente extraordinária, porque em tempo de guerra a nenhum estrangeiro era dada tal licença. Quando me apresentei ao Senhor Cardeal Patriarca com o visto de residência na mão, ele ficou muito admirado e disse-me: “Como conseguiu? Olhe que nem um Bispo pode permanecer aqui mais de 30 dias!” Fiquei durante três anos (1943-1946) sozinho, como capelão das ditas Irmãs, e como vice pároco numa paróquia de quarenta mil habitantes (a paróquia de Penha de França, em Lisboa)...
Exercendo o meu ministério sacerdotal em contato direto com o povo, não me foi difícil compreender a importância e a urgência da instrução religiosa por meio da imprensa. Comecei por mandar imprimir alguns livros; depois procurei uma casa para alugar, o que consegui no Paço do Lumiar, em Lisboa, para três sacerdotes, que, entretanto, haviam chegado de Itália, e para os primeiros seminaristas...
Os primeiros anos do Instituto foram muito difíceis... Mas Nossa Senhora de Fátima velava pelos seus filhos...»
Com este relato emocionante e imersivo, podemos conhecer os inícios de uma história de Missão. A Sociedade de São Paulo começou com o sonho de Deus no coração do nosso Fundador, o Beato Tiago Alberione, lá na Itália, e expandiu-se pelos Continentes. Uma história que desenvolveu e criou vida em Portugal e que hoje celebra seus 80 anos. Muitas histórias belas e narradas pelo apostolado da Imprensa com os nossos periódicos.
Muitos homens deram a sua vida por esta causa, a causa do Evangelho. A PAULUS Editora, o braço apostólico da nossa Missão, continua com este objetivo de anunciar aos homens e mulheres a Boa Nova. Falar de tudo «cristãmente». Com a mudança dos tempos, é preciso adaptar-se. Uma nova formatação de missão, de obras e membros. Mas tudo segundo a vontade de Deus, que tudo auxilia e abençoa e abre novas perspectivas. Hoje, Portugal pertence à recém fundada província Brasil, Portugal e Angola. Com estas mudanças, novas perspectivas e entusiasmos.
Ao celebrar esta data jubilar recordamos os nossos interlocutores, colaboradores, cooperadores, sacerdotes, religiosos e religiosas. Enfim, tantos homens e mulheres que construíram e continuam a construir, em Portugal e no Mundo, a Sociedade de São Paulo.
À luz de São Paulo Apóstolo, todos os religiosos da Sociedade de São Paulo queremos renovar nosso entusiasmo à missão e herança do nosso Fundador, para viver e anunciar Jesus Cristo Caminho, Verdade e Vida na cultura da Comunicação.
Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo...
Pe. Tiago Melo, ssp
Superior Delegado da Sociedade de São Paulo em Portugal.