O mundo das artes sempre se dedicou com extrema atenção aos relatos bíblicos. Quando chegou o tempo da Sétima Arte, não houve exceção. A personagem de Jesus é cativante por si mesma e todo o público já a conhece muito bem. Por isso, cada filme é um desafio grande e dá sempre muito que falar.
Um dos primeiros filmes realizados é Rei dos Reis, de Cecil B. DeMille (1927), um filme mudo no qual a figura de Jesus é magnânima e solene, ainda que modesto na aparência. Ao longo do filme, as passagens bíblicas não correspondem às cenas associadas, pois a preocupação do realizador não é apresentar o relato verosímil dos evangelhos, mas a pessoa e a mensagem de Jesus.
Mais de 30 anos depois, com o mesmo título, é exibido o filme Rei dos Reis, de Nicholas Ray (1961). Também ele com um peso grande na personagem de Jesus, como mostra o trailer depois de apresentar todo o elenco: «O mais difícil foi a escolha do ator para representar Jesus. Só depois de meses de uma análise cuidada é que Jeffrey Hunter, um jovem ator americano, foi escolhido, por causa da sua força robusta, integridade pessoal e a humildade e devoção com que encarou o seu papel.» Com tamanha publicidade acerca da procura do ator, revela-se o cuidado e a dificuldade de encontrar quem interprete Jesus e satisfaça realizador e público.
De facto, a procura mais espantosa será a do italiano Paolo Pasolini para o seu Evangelho segundo São Mateus (1964), que, quando conheceu um jovem ativista de esquerda, não teve dúvidas de que tinha encontrado o ator que procurava.
Sobre identidade é incontornável mencionar o êxito dos anos 70, Jesus Cristo Superstar (1971), uma ópera rock de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, adaptado para cinema por Norman Jewison. Fruto do seu tempo no guarda-roupa e no elenco, nos modos e nos costumes, a história deste filme destaca-se pelo protagonismo das personagens de Judas e Maria Madalena. Ted Neely, o ator que representa Jesus, diz sobre a sua personagem: «Penso que o Andrew e o Tim quiseram olhar para os últimos sete dias deste homem chamado Jesus de Nazaré visto pelos olhos dos seus amigos e contemporâneos. Viam-n'O como um homem.» Alguns anos depois, a ideia de focagem na humanidade de Jesus Cristo será também o alvo de Scorcese em A última tentação de Cristo (1988). O famoso realizador pretendeu mostrar Jesus de modo atual, ao modernizar-lhe o discurso sem eloquência e retórica. Porém, a personalidade deste Jesus, muito atacado pela crítica e cristãos, mostrava um homem frágil, indeciso, confuso sobre a sua missão, pecador.
Sobre uma imagem pessoal de Jesus podemos mencionar também A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson, que apresenta o carpinteiro de Nazaré de um modo humano, natural e simples, mas com pormenores de teor sobrenatural, como uma estranha variação da cor dos olhos. O filme realça um bom esforço de representação real daquele tempo através dos cenários, do guarda-roupa, do discurso marcante nas línguas originais do aramaico, do latim e do hebraico. Contudo, é muito criticado pelo modo como evidenciou o sofrimento de Jesus Cristo com a flagelação.
Menos intenso que o filme de Mel Gibson e mais próximo do gosto do grande público, destacamos finalmente o Jesus interpretado pelo ator Diogo Morgado em O Filho de Deus (2014). Os produtores cristãos Mark Burnett e Roma Downey procuravam um ator para a minissérie sobre a Bíblia, alguém «com força, presença, carisma, ternura, bondade, compaixão e humildade natural, alguém que consiga ser ao mesmo tempo um leão e um cordeiro», afirmaram. E, de facto, essa é a imagem de Jesus no filme, um filme pobre em termos cinematográficos, mas, apesar de tudo, fidedigno em relação aos evangelhos, bom para qualquer pessoa ficar a conhecer a história da salvação, sendo uma história de Jesus sensata. Outros filmes não mencionámos e cada qual com a sua particularidade.
No final, mais do que canonizar um filme, e ainda que haja preferência por algum em particular, importa ver em cada obra cinematográfica um retrato de Jesus – que na sua maioria é feito à imagem de quem constrói esse retrato.
(texto completo publicado na revista Síntese de março/abril)